Riscos e crescimento do ensino à distância (EAD)
Riscos e crescimento do ensino à distância: ‘as pessoas correm atrás daquilo que elas conseguem pagar’
Em dez anos, as matrículas na educação à distância saltaram de 7,0%, em 2007, para 21,2%, em 2017, segundo o Censo da Educação Superior, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em setembro de 2018. Outro dado que chama a atenção é que enquanto as matrículas de graduação EaD cresceram 17,6% em 2017, nos cursos presenciais houve queda por dois anos consecutivos. Nas licenciaturas, o EaD já representava 46,8% das matrículas no último ano do levantamento.
Dos 471 cursos de educação superior oferecidos no Rio Grande do Sul, 234 são ofertados somente à distância, de acordo com o Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior do MEC. Na modalidade EaD, dentre as 37 instituições de ensino superior credenciadas no MEC, 28 são privadas. Porém, o número real de instituições que ofertam cursos em EaD no Estado é maior do que indica o cadastro, uma vez que ele não inclui conglomerados educacionais, como as empresas filiadas à Kroton Educacional.
No RS, um caso recente exemplifica a mudança no perfil das vagas oferecidas por universidades e centros universitários privados. Depois de demitir mais de 200 funcionários no início do ano e, em maio, entrar com um pedido de recuperação judicial, a Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) tem investido nos cursos de graduação EaD e semipresencial.
Attila Elod Blesz Junior, diretor de EaD da Ulbra, garante que a mudanças no perfil das vagas ofertadas não está diretamente relacionada à grave situação financeira da universidade, mas se trata de “uma consequência de uma constante escuta do mercado”. “A gente sabe que hoje, em função das tecnologias digitais que estão disponíveis, o mercado está se modificando no sentido de que o aluno percebeu que não tem porque se deslocar para escutar o professor abordando conceitos teóricos”, diz.
Apesar de a educação à distância permitir que a população realize uma graduação sem precisar ir até a instituição e, em geral, pagando menos do que o valor de um curso superior com aulas presenciais, a Campanha Nacional Pelo Direito à Educação alerta para os riscos que existem hoje no país. “A ação da Campanha é voltada para a garantia do direito à educação como um todo, e a educação à distância é uma das modalidade utilizadas para a implementação da educação. Hoje, quando a gente olha para a educação à distância no país, vemos que ela está muito mais voltada para a questão do mercado e não para a garantia da educação”, explica a professora Catarina de Almeida Santos, coordenadora do Comitê do Distrito Federal da Campanha.
De acordo com Catarina, o ensino à distância ainda é visto no Brasil pela lógica do mercado, em que as empresas visam apenas o lucro e ofertam um ensino com qualidade inferior, se comparada aos cursos presenciais. “Os grandes conglomerados de empresas, como a Kroton [Educacional], estão investindo massivamente na educação à distância porque é uma modalidade que, da forma como é feita hoje no Brasil, favorece que essas instituições ofereçam uma oferta massiva de cursos à distância disponibilizando menos recursos”, afirma.
Além disso, Catarina destaca outro ponto como um dos fatores que influenciam o modo como as empresas olham para o ensino à distância: a possibilidade de ter um número menor de professores contratados do que na modalidade presencial. “Na educação presencial, você precisa de um professor para cada turma e ele também estaria desenvolvendo pesquisas. Na educação à distância, você põe um professor para cuidar de uma quantidade gigantesca de alunos. Assim, essas empresas podem fazer cursos com mensalidade mais baixas, tendo um lucro muito maior”.
A professora também pontua que essa mensalidade mais barata fez com que houvesse o aumento no número de matrículas nas graduações à distância. “Vários estudos vão mostrar que a sociedade brasileira não tem condições de pagar pela educação superior. Então, quando uma instituição oferece um curso presencial, com um valor normalmente alto, e um à distância, bem mais barato, as pessoas correm atrás daquilo que elas conseguem pagar”, diz.
Atualmente, a Ulbra oferece cerca de 140 cursos presenciais e 21 que são somente na modalidade à distância. Segundo Blesz, a Universidade está realizando um processo de credenciamento de mais 15 cursos, sendo 12 deles na modalidade semipresencial. O diretor explica que, apesar disso, a Ulbra não deixará de ofertar os cursos presenciais, mas sim ter disponível uma graduação em uma modalidade feita para estudantes que não querem realizar um curso 100% à distância. “No semipresencial o aluno vai poder acessar os conteúdos teóricos na plataforma e realizar todas as aulas práticas presencialmente”.
Blesz garante que, na Ulbra, são poucas as diferenças entre um curso presencial e um EaD. “O diploma é o mesmo, seja de um curso presencial, seja de um híbrido ou de um EaD. A grade curricular é a mesma, os professores são os mesmos”, diz. Para o diretor, as modalidades semipresenciais e à distância permitem que seja possível “usar as tecnologias para ofertar disciplinas teóricas”, o que faz com que uma universidade consiga “colocar em uma mesma sala virtual alunos de diferentes cursos, que precisam ser capacitados em uma mesma teoria”.
Questionado se foram realizadas alterações no quadro de professores da Universidade devido ao aumento de cursos EaD, Blesz diz que não. De acordo com ele, os professores que atuam na modalidade presencial estão sendo capacitados para atuar no semipresencial e nos cursos à distância. “Não vejo uma alteração em relação à troca de professores na Ulbra. Hoje temos uma forma intensa de capacitações para o nosso corpo docente estar cada vez mais preparado”, afirma.
‘O EaD não deveria ser mais barato para a empresa’
Sobre quais os impactos que o ensino à distância oferecido hoje terá na educação brasileira, Catarina afirma que serão sentidos, principalmente, na capacitação de profissionais de diversas áreas. “Você vai ter como consequência disso, por exemplo, a formação de profissionais sem qualidade. A educação superior é uma etapa que é focada para a qualificação de pessoas, então, se você tem uma educação de baixa qualidade, você vai formar profissionais de baixíssima qualidade para todas as áreas”, diz.
Entretanto, para Catarina o problema não é a modalidade de educação à distância, mas sim a forma como ela é feita e monitorada no país. “Nós não estamos falando de uma outra educação, estamos falando da mesma educação que é oferecida presencialmente, mas em outra modalidade”, afirma. De acordo com a professora, o ensino à distância não deveria ser mais barato para uma empresa do que um curso presencial.
Para Catarina, as empresas que oferecem cursos EaD precisam se preocupar com a forma como esse conteúdo é oferecido e organizado em uma plataforma, com as necessidades do aluno que realiza essa graduação, em se ater ao máximo de alunos por turma que um professor consegue administrar sem deixar de dar atenção a todos e também na produção de pesquisas científicas por parte dos professores e alunos. “Teria que pensar essa educação a partir das necessidades do sujeito que está na outra ponta da aula e não a partir dessa coisa massificada”, diz.
Apesar de a modalidade de educação à distância ser mais comum em universidades e centros universitários privados, instituições públicas também disponibilizam graduações EaD, como, por exemplo, a Fundação Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense (IFSul).
Fonte: Factótum Cultural / Portal Factótum Cultural